Amar é função do coração. Sei que isso não tem fundamento algum na “realidade”, que é tolice, que nada, nenhuma sensação, nenhum sinal manifestado quando se ama, jamais poderia indicar a participação ativa desse músculo que bate, tresloucadamente, durante nossa vida. Mas, perguntem a quem ama, ou já amou! Eu, na minha usual racionalidade, já me questionei sem encontrar alguma explicação. Talvez pelo fato de que o amor não é matéria de entendimento. Talvez nem de sentimento! Amor, eu penso, vai além de tudo o que conseguimos entender e sentir.
Lembro-me de nossos abraços. Naqueles momentos em que nos
entrelaçávamos, era como se o coração de um pulasse pra dentro do peito do
outro. E mesmo que um estivesse triste, ou cansado, ou desanimado, bastava um
abraço longo e entregar o coração pra ser apaziguado pelo outro, que, em
instantes, ambos já pulsavam num mesmo ritmo, numa mesma sintonia amorosa. E
isso não se entende! Ou se vive, ou simplesmente não faz sentido algum. Quantas
vezes eu disse a ele “hoje sou eu que preciso que o seu coração pegue o meu no
colo!” Quantas vezes ele me disse “amor, pede pro seu coração falar para o meu
que amanhã isso vai passar...”
O coração não sabe da morte. Ele apenas sente a ausência do
outro coração que (ele não entende!) não está mais perto. A morte é função da
consciência. A consciência sabe da morte, da absurda ruptura que ela
representa. Ela sabe, ela entende. Mas, o que ela não sabe é como contar isso
para o coração! A consciência não fala a linguagem do coração. Então, afastado
do outro coração que ele tanto amava, ele se sente perdido. Talvez culpado,
acreditando que cometeu algum erro e que isso afastou dele o outro coração. É
tão difícil, em todas as noites que sucedem à morte, ouvir, bem baixinho, o
choro quase imperceptível de um coração que não entende que o outro, o que se
foi, jamais voltará!
Quando morre um amigo, um pai, um irmão, a vida continua
natural, com uma dor que vive apenas na consciência de quem ficou. Sofre-se,
dói, confunde-se os caminhos, mas é o tipo de sofrimento que se entende.
Vive-se um luto que é possível tornar racional. A vida perde algumas cores,
algumas tonalidades, mas o coração continua respirando. Quando o amor morre, o
que fica é um coração solto, desavisado do que fazer pra recuperar o coração
que morreu...
PS: Essa semana eu quis tanto me lembrar das últimas
palavras dele! Tenho certeza que não foram os pedidos para que eu tomasse
cuidado por estar dirigindo feito um louco em direção ao hospital. Depois de
parar o carro, de passar a sua tosse, lembro que ele recostou a cabeça em meu
ombro. Na hora em que chegamos, antes de o levarem na maca, ele falou alguma
coisa. Meu Deus, não consigo lembrar! Será que o coração dele falou tão direto
ao meu que, perdido no meu desespero, ele não conseguiu ouvir? (Semana difícil,
com essa música grudada em mim!)