quarta-feira, 24 de julho de 2013

Uma questão

Outro dia eu estava conversando com um amigo, que é homo, casado (uma graça de casal!). Não lembro como o papo se encaminhou para o assunto: quando é que descobrimos que éramos gays. E ele disse uma coisa que, pra mim, não faz muito sentido, e deixei bem claro pra ele isso. Ele falou que, até os 20 e poucos anos ele não sabia ao certo. E que “a ficha só caiu” quando conheceu o atual parceiro dele. Isso me soou absolutamente estranho! Será possível que uma pessoa passe pela infância, adolescência (principalmente essa fase!), entra na juventude e não sabe exatamente qual a sua orientação sexual?! Muito estranho!

Desde onde minha memória me deixa levar, sempre tudo foi muito evidente, o que eu sentia. Não sei se foi sorte minha, ou meu próprio modo de encarar a vida, mas isso (o saber-se gay, mesmo que não com todas as letras e pontos finais) sempre foi muito tranquilo. Eu nunca sofri, ou tive dramas de consciência... nunca me senti deprimido, ou coisa semelhante. E não tem nada a ver com a educação que recebi dos meus pais! Que, aliás, morreram sem saber quem eu era realmente. Eu nunca me senti diminuído, nem fragilizado, enfim, penso que talvez isso se deva ao meu modo de ser, que sempre almejou ser independente acima de qualquer outra coisa. Deve ser isso.

A história do meu lindo é bem o oposto da minha. Antes de a gente começar nosso relacionamento, principalmente durante sua adolescência (ele sempre me falava disso) tudo foi bem complicado pra ele. Tinha a não aceitação por parte dele mesmo, um sentimento de “ser errado”, fora o medo  que ele tinha da família, dos amigos, de como seria a reação deles. Vocês nem imaginam o quanto tivemos que conversar, o quanto que eu tive de demonstrar pra ele que todos esses receios não tinham fundamento. Acho que o nosso primeiro ano juntos foi uma batalha, até que ele não encanasse mais. Essa também foi uma boa coisa que fiz, na intuição, sem ter noções de psicologia, ou qualquer coisa mais científica (rs).

Como eu até já comentei aqui, por várias vezes eu falei que achava legal conversarmos com seus pais. Eu queria, de fato, me mostrar pra eles, falar de mim, que eu não era nenhum bicho papão. Óbvio que eu não era tão bobo a ponto de achar que isso seria algo fácil. Mas eu sempre falava que era muito melhor encarar de frente, logo no início, pra não deixar dúvida do que estava acontecendo. E ele, sempre vindo pro meu ap praticamente todo fim de semana, insistia em falar meias verdades (sempre querendo adiar uma conversa minha com os pais), porque, segundo ele, a verdade inteira apareceria por si mesma.

Eu penso que a sexualidade é apenas um aspecto do que cada um de nós é. Temos tanto mais a compor esse “mix” que chamamos de nossa personalidade! A minha questão é (bem sincera, tá!... sem julgamentos rs): será que todos os dilemas por que passam os gays “mais problemáticos” não nascem justamente de fazer tudo girar em torno do tema sexualidade? É apenas uma dúvida que eu tenho, sem a pretensão de escrever um tratado, ou de ter a resposta correta. Mesmo porque não acredito que exista apenas uma resposta a qualquer questão complexa como essa.

Eu sei que tem todo o problema do ambiente, do entorno, tudo bem! E que tem implicações bem decisivas sobre esse assunto. Aqui, no entanto, eu apenas estou me referindo à postura que temos diante de nós mesmos. Será que eu estou sendo muito simplista, ou cometendo algum erro grave nessas minhas ponderações?


15 comentários:

  1. eu tb nunca tive problemas, me senti um tanto culpado no momento que eu achava que ia para o inferno, mas quando superei isso, nenhum problema. eu sempre fui gay, sempre soube que era gay, e sempre achei que ficaria sozinho porque não conhecia nenhum outro gay, na verdade, até os 21 anos eu nem sabia que gays namoravam, então...
    tenho saudades daquela época em que eu não sabia que era possível por isso não existia o sonho, devia ter ficado no armário e nunca descoberto o mundo do lado de cá, estaria mais preparado para lidar com minha vida solitária.

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    1. Sério que você pensa exatamente do jeito que você escreveu, Foxx? Você acredita que, pela sua experiência atual de vida, você preferia “estar no armário”? Nossa, não pode ser verdade isso! Vou tomar como um desabafo, pois não faz o menor sentido pra mim, depois de tudo o que eu já li e aprendi com você.

      Abração

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  2. Seu texto leva a pensar. E nos coloca perguntas fundamentais, para as quais cada um terá uma resposta, porque cada um é um... Eu mesmo ainda tento responder muitas delas, e vou escrevendo pra tentar entender. Talvez um dia chegue a essa clareza toda que você parece já ter sobre essas coisas, ou pelo menos ver de maneira bem menos embaçada do que eu [me lembro agora de um comentário seu sobre meu texto deixar o leitor no meio de uma bruma, acho que tem tudo a ver, o estilo é o homem].

    "Será que eu estou sendo muito simplista, ou cometendo algum erro grave nessas minhas ponderações?" Não. Acho que você foi muito claro, como poucos conseguem ser em questões tão complexas. Essa clareza só acontece quando se está muito seguro sobre o que se pensa sobre o assunto.

    "Será possível que uma pessoa passe pela infância, adolescência (principalmente essa fase!), entra na juventude e não sabe exatamente qual a sua orientação sexual?! Muito estranho!" Sim, muito estranho, mas também muito mais comum do que você pode supor. Eu sou um desses. Ou melhor, fui.

    "...: será que todos os dilemas por que passam os gays “mais problemáticos” não nascem justamente de fazer tudo girar em torno do tema sexualidade?. Sobre outros, não sei, mas no meu caso isso é verdade. Não que a sexualidade seja o problema, mas de alguma forma, acabei canalizando pra isso, justificando tudo o mais com isso. O que, novamente falo apenas no meu caso, me dá uma sensação de inferioridade espiritual, uma atitude reducionista, reduzir o homem a uma dimensão muito pequena dele mesmo.

    Seu post me motiva a falar sobre. Mas ainda entre brumas.

    Abração

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    1. Alex, imagine o seguinte: se eu pedisse pra que você discorresse, em no máximo 4 linhas, sobre o que melhor o define... em que parte dessa descrição, ou com que intensidade e destaque apareceria escrito que você é gay? Tenho quase certeza que, talvez, você nem sentisse a necessidade de salientar esse aspecto. Veja bem, eu não estou querendo dizer que a sexualidade é algo secundário em nossa vida, de forma alguma! Eu a considero por demais importante. Apenas estou querendo dizer que, na mesma escala de importância em que eu a situo está também o grau de naturalidade com que a trato. Dá pra entender isso?

      E é justamente nesses termos que eu percebo que essa “bruma”, que eu vejo nos seus textos, traduzem (para mim, quero frizar!) algum tipo de “estranheza” que ainda tem algumas raízes aí dentro de você. To falando besteira?

      Abração

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    2. Não, não está, claro que não. E é sempre interessante ouvir a opinião sincera, saber como as pessoas nos percebem. Que, no meu caso, raramente é como eu mesmo me percebo, ou como eu mesmo insisto em me ver. Estranheza, haverá muitas, ainda que eu não saiba bem como isso é percebido.

      Abração!

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  3. Realmente essa é uma grande questão. Eu vi um vídeo em que um rapaz contava sobre sua descoberta em ser gay e como foi lidar com isso. No vídeo ele fala de fases que supostamente "todos" os homossexuais passam. Se me lembro bem elas são: Descoberta, Negação, Luta, Conformismo e Aceitação (acho que foram só essas, vou procurar o video no youtube se encontrar te passo o link depois). Eu realmente passei por todas as fases. Como o Foxx falou, desde que consigo me lembrar sempre fui gay. No começo eu sabia que era diferente mas não sabia exatamente o que era. Dai a certa idade descobri o que era homossexual e soube que era errado. Passei a negar, pensando que era só uma fase e que eu poderia mudar com a ajuda de Deus. Lutei, por toda minha adolescencia até os 20 e poucos anos. Me conformei que não iria mudar. Nesse ponto cogitei ficar sozinho para não dá vergonha pra os meus pais de viver com outro homem ou para não fazer uma possível esposa sofrer. Vi que não iria conseguir e por fim me aceitei. Esse foi o processo pelo qual passei. Obviamente não foi o seu e também não é o de muitos.
    Acredito que possa haver sim pessoas que somente descubram sua orientação depois da adolescência.
    Também acredito que as pessoas que tem preconceito contra gays só enxergam a sexualidade e não o ser humano por traz do rótulo.
    Ser gay não me define mas acho que me diferencia, porque somos diferentes realmente.
    abraços@!

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    1. Cocada, meu querido, sabe uma coisa que eu não entendo no que você (e, de certa forma, o Foxx também) escreveu? “Lutei, por toda minha adolescência até os 20 e poucos anos.” Só uma perguntinha (sério, eu gostaria de entender fora da minha perspectiva): durante esse tempo todo você não transava? Se sim, e admitindo que tinha relação com outros meninos, você sentia o que depois? Quando eu digo que acho estranho, eu estou querendo ressaltar que considero impossível alguém viver sem sexo, especialmente nessa fase da vida.

      Também não acredito em “padrões”, como essas fases que você viu no vídeo. Para mim, sei lá, parece um pouco uma descrição feita por algum psicólogo hetero (rsrsrs... sorry Gato!) Fora que essa coisa de “aceitação” no final das fases, tem uma carga tão negativa, tão “se Deus quis assim”, sabe?! Novamente me repito: eu vejo a sexualidade como algo muito natural. Será que, pra variar, eu sou o “ponto fora da curva”?

      Abração

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    2. É Adriano eu resumi as coisas pra não ficar muito longo mas eu tive sim relações na infância/adolescência eu até descrevi um pouco neste post: http://cocadag.blogspot.com.br/2011/01/sexual-life.html
      porém depois disso nunca mais tive relações acho que vai fazer mais de 8 anos que não faço sexo. Cara não sou puritano, porém eu decidi aguarda um pouco e esperar uma fase melhor na minha vida pra poder me relacionar com outra pessoa.
      Como eu disse esse foi meu processo. Eu fui criado em lar cristão acho que isso motivou a minha negação e não aceitação de ser gay. Mas sério, hoje não tenho dúvidas, eu sei exatamente o que eu quero e já estou quase conquistando isto.

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    3. Duas coisas. Primeira: pow, cara, você tem que escrever mais posts! Você escreve bem, tem uma vibe super gostosa de ler, deixa de preguiça, omi! (kkkkkk). Segunda: ah, essas “experiências pueris” não valem, né! (kkkkkk). Do meu ponto de vista o senhor é virgem ainda. Simples assim! Mas, te entendo. Sério... acho bacana essa sua espera. Tenho certeza que, o dia em que você encontrar o amor da sua vida, vai ser algo super lindo!

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    4. Interessante a discussão a partir do comentário do Cocada, que entendo bem... E, Adriano, por absurdo que pareça, há pessoas que passam pela adolescência sem sexo com outros(as). Eu só transei pela primeira vez aos 19. Depois aos 25, mais duas vezes, essas três com prostitutas, uma das quais foi muito boa. Depois, nunca mais. Aos 33, fui pra cama pela primeira vez com um homem, e mesmo assim ainda depois tive uma namorada com quem tive uma ótima relação, até que conheci outro rapaz, começamos a ter um rolo, e esqueci o outro lado.
      Gostaria muito de ter o seu perfil e a sua história, mas cada um tem um jeito de lidar com suas próprias dificuldades, que também são diferentes...

      Abração

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  4. Eu tenho certeza que não só os conflitos dos gays mais complicados como da maioria da sociedade tem a ver com tudo girar em torno de sexualidade, a pergunta é: Quem bota pra girar???

    São eles??? Ou é toda uma sociedade?? Uma sociedade que eles tmb fazem assim a partir do momento que giram.. Quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha??? rssss

    Como diria Nelson Rodrigues, se as pessoas soubessem o que as outras fazem na cama ng falaria com ng e tipo... Isso independe de homo ou hetero... Sexualidade é um degrau conurbado nessa complicada existência humana....

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    1. Entendo o que você quer dizer, Gato! Mas aí temos toda uma abordagem sociológico/cultural que daria um livro, ou melhor, uma biblioteca! (rs) E aí, como você disse, a sexualidade, independente de ser homo, hetero, etc. Aqui eu propus uma singelíssima conversa de boteco. É nesse “nível” que eu disse que encaro tudo com naturalidade. A vida em si, a vida orgânica, é tão mais cheia de dramas, que nem faz muito sentido dramatizar o que, em princípio, é apenas fonte de prazer, né.

      Abração

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    2. O fato é que nossa sexualidade sofre influências de nossa personalidade e acaba também influenciando nossa vida, para o bem e para o mal. Alguns, como eu, podem acabar canalizando para suas dificuldades e complexos com o corpo e com a sexualidade para a vida, e vice-versa, numa eterna dúvida para se saber o que vem primeiro...

      Abração

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  5. Cada um tem um jeito de encarar e viver a sexualidade, que por sinal noto que ainda colho consequências pela minha dificil aceitação...
    Mas faz parte, aos poucos vou mudando...

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  6. Então... eu entendo o seu amigo que diz que "a ficha não caiu até tal idade".

    Cara, tem gente que nega TANTO a própria sexualidade, que até pra si mesmo a pessoa não assume. Daí, o assunto passa batido mesmo. Tem gente que tem menos interesse sexual mesmo (existe até os assexuados) e aí fica mais difícil se situar nesses 'rótulos" tão rígidos que a sociedade usa. Enfim, somos tão diferentes e nossa maior dificuldade é se colocar no lugar dos outros. Pra maioria das pessoas, se ela não consegue se ver na mesma experiência que foi relatada por alguém, aquilo não existe. A outra pessoa está enganada. Até hoje isso acontece com minha sexualidade...

    Sobre as dificuldades das pessoas "problemáticas" com a própria sexualidade o assunto é mais delicado. Ok, vc não é só a sua sexualidade e vc pode muito bem ter essa noção. O problema é que vc vive numa sociedade na qual nem todo mundo pensa assim. Muitos te julgarão pelo rótulo e nunca irão se interessar em conhecer o conteúdo. Além disso, a sexualidade reflete em outras questões da vida: pra quem desabafar quando aquele relacionamento bacana chegou ao fim? porque ter de evitar de ir numa festa da empresa com a pessoa com quem se compartilha a vida, já que todos levarão seus pares? São questões que assombram a muitos por aí...

    É sim uma luta interior, uma luta pra tentar matar uma parte de si mesmo, uma luta que só traz sofrimento.

    Eu vivi isso e é complicado, bem mais complicado do que vc descreveu aí...

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