Na decolagem de um avião existe um ponto crítico de decisão,
definido pela mínima velocidade a partir da qual a decolagem pode ser
continuada com segurança, dada a distância do ponto da decolagem efetiva,
combinada com a velocidade máxima, a partir da qual a aeronave não pode mais ser
parada. Parece complicado. E é! Ainda mais que essa decisão entre decolar ou
abortar está exclusivamente nas mãos do piloto. Pouco entendo de aviação, mas
sempre trago comigo essa ideia, fundamentando a prática das minhas ações mais
importantes. Já decolei e abortei decolagens muitas vezes e sempre me achei
“mestre” no assunto, talvez por compreender que isso nada mais é do que se
guiar, única e exclusivamente, pela razão.
Longo preâmbulo... pode ser que, para a maioria das pessoas,
aquilo que eu pretendo escrever nem implique em tanto cuidado. Eu devo ser uma pessoa
muito complicada e que, sei lá, talvez precise de algum tipo de ajuda
psicológica. Ultimamente tenho pensado muito nisso. Saber que não se pode ter o
controle de tudo, muito menos da nossa vida, isso anda fazendo com que eu
repense algumas coisas. Bem, vamos aos fatos.
O natal foi surpreendentemente bom pra mim. Como eu iria
passar apenas com o Claudio aqui em casa, os meus amigos “mais chegados”, antes
de irem para suas respectivas famílias, deram uma passada por aqui. A princípio
fiquei maluco, pois tive que organizar alguma coisa de última hora e isso
sempre é complicado pra mim. É a tal mania de planejar! No final correu tudo de
forma excelente, com o pessoal se despedindo bem tarde. Foi um natal totalmente
diferente de todos os que eu já tive. Com mais pessoas, na minha casa, uma
sensação nova e muito boa.
Nos dias seguintes, quando eu já me preparava pra passar o réveillon
no meu modo “padrão”, outra surpresa: dois amigos meus, casados, me convidaram
(e ao Claudio) para passarmos na praia. Primeira reação... agradecer
imensamente, mas... Depois (que estranha combinação astral estaria provocando
isso?!), resolvi aceitar. Acho, inclusive, que essa minha decisão foi um dos
fatores desencadeantes dessa anormal onda de calor que temos por aqui. Só pode,
sair do padrão 2 vezes em tão pouco tempo!
Guarujá, um belo apartamento, de frente pro mar, tudo impecável,
móveis, decoração (esse casal de amigos tem uma empresa de paisagismo), apenas
um detalhe “destoante”: é um apartamento com 2 quartos. Logo... um para o casal
e outro... Um sentimento de “estranheza” (essa é a palavra que primeiro surgiu
em minha mente) me tomou: depois de muitos anos, mais de 12, eu iria dividir o
quarto com outra pessoa que não o Zeca. Para quem não percebeu ainda, além de
recatado (rs), sou muito formal, além de tímido. Interessante que é assim com
as pessoas mais próximas a mim. Mais um ponto a esclarecer em alguma consulta
psicológica.
Esclarecendo: eu conheço o Claudio há uns 20 anos, desde o
tempo da faculdade. No início até que chegou a “rolar” um clima entre a gente.
Com o passar do tempo, a amizade se consolidando, fomos nos tornando tão
confidentes, tão um sabedor das alegrias e tristezas, um do outro, que talvez a
palavra “irmãos” seja a que melhor define a nossa relação. E, vejam vocês, com
tudo isso, apesar de tudo isso, eu “estranhei” que teria de dividir o mesmo
quarto com ele! Entretanto, com o passar dos dias, eu tomei consciência de que
tudo não passou de uma “bobeira inicial” da minha parte. Tudo corria da melhor forma
imaginável, fomos nos tornando cada vez mais informais, e eu sentindo que
estávamos, de fato, coroando o nosso relacionamento com o que faltava, que era
o desarme total das últimas barreiras. Não sei se conseguem entender isso.
Na noite do dia 01, todo mundo mais que cansado, fomos todos
dormir mais cedo. Eu e o Claudio “engatamos” a conversar e, quase “varamos” a
madrugada, em um retrospecto dos melhores momentos da nossa vida. Quando
dormimos eu pensei: nossa! eu não tive um irmão de sangue, mas Deus me deu um
que vale por muitos! Eu estava feliz, muito feliz! Dormi feito um anjo! Dizem
que depois da tempestade vem a bonança. Mas, também pode ocorrer o contrário!
Dia 02, fomos dormir já bem tarde. Praia, sol, caminhadas...
ando meio fora de forma. Ao me deitar, lembrei do meu colírio, que tem que ser
usado, religiosamente, antes de dormir. Não estava na mesinha de cabeceira. O
Claudio, como ainda estava se ajeitando, foi buscar na sala, onde eu havia
esquecido. Nesse ínterim, acho que passou pela cozinha, não sei, o fato é que
eu cochilei. Ele chegou, sentou na beirada da cama, me acordou de leve e, se
inclinando sobre mim, pingou nos meus olhos. Escorreu um pouco e ele passou o
dedo no meu rosto. Nesse momento... para quem não entendeu o primeiro parágrafo
do post... esse foi o momento de “decolar ou abortar a decolagem”. Momento da
razão que deveria imperar. E, com certeza, a minha razão estava dormindo... e
eu decolei!
O que aconteceu comigo? Que extremo vacilo, bobeira sem
tamanho, sei lá, fez com que eu desse um nó gigantesco em tudo? E a
responsabilidade foi toda minha. Ele apenas respondeu ao que eu conduzi. Não
posso nem dizer (a tão esfarrapada desculpa!) que eu havia bebido! Simplesmente,
quando me dei conta, o “ponto de decisão” havia sido ultrapassado. Muitos de
vocês podem estar pensando que estou fazendo um drama onde não existe. Pode até
ser. Mas, eu não consigo ver de forma diferente. Não acredito que sexo e
amizade sejam ingredientes que possam conviver no mesmo espaço. Estou errado?
Resumo: desde sexta-feira, quando voltamos pra cá, não
consegui conversar ainda com ele. E ele também nem ligou. Constrangidos os
dois? Decididamente, sei que eu é que devo provocar uma conversa com ele. Como
conduzir isso? Esse fim de semana eu passei apenas pensando...